segunda-feira, 5 de julho de 2010

Ramificações

“Era estranho se sentir daquele jeito. Ela não se sentia daquela maneira havia tanto tempo... Experimentar aquilo, por alguém que não fosse “aquele alguém” era interessante, diferente. Ainda que assustador, muito assustador.

Tudo estava muito confuso ainda, ela sabia. Isso, inclusive, a deixava mais intrigada e amedrontada. Se sentir confusa nunca foi algo precisamente simples para ela. Gostava das certezas, dos caminhos claros, coerentes, sem muita margem para surpresa.

A verdade era que, quanto mais parava para pensar sobre aquilo, mais percebia o quanto tudo não passava de uma enorme, complicada e, porque não, bela contradição. Se dividia entre linhas tão paradoxais que algumas vezes perdia até o seu próprio pensamento. As certezas a agradavam tanto quanto as surpresas. A confusão e a segurança riam da cara de interrogação da menina, quando era perguntada sobre qual dos dois preferia. Não sabia responder e não queria escolher.

Houve um tempo onde pensou que todas essas contradições eram um grande empecilho em sua eterna luta para se tornar alguém interessante. Pessoas interessantes não se contradizem, ralhava consigo mesma. Os anos passados e as experiências vividas mostraram-lhe exatamente o contrário. Pessoas interessantes não se preocupavam com limites, especialmente com os das contradições.

Suas características peculiares se revelavam uma a uma conforme os dias daquele inverno se passavam. Decidira não mais ficar correndo atrás do “ser interessante”. Apenas seria si mesma, agora.

Percebia como sentia aquilo que chamavam de “vergonha alheia” pelas pessoas da mesma idade dela que mostravam sentir certa necessidade de se mostrar, de se passar por, pessoas interessantes. Sempre que sentia algo assim, lembrava daquele famoso dito “muito fala quem pouco faz” e sorria instantaneamente. Não ia mais tentar falar. Ia fazer.

Provar a sua capacidade para si mesma se mostrava infinitamente mais convidativo do que provar a sua capacidade para aqueles que torciam pelo seu fracasso.

Vingança é para aqueles que têm tempo a perder, constatou. Procurar defeitos nos outros ao invés de em si mesma também. Mais ainda, diga-se de passagem.

Tinha objetivos grandes e exigentes demais para que se permitisse canalizar seus esforços em circunstâncias que em nada iriam acrescentar para sua jornada principal.

Decidiu enumerar: Parar de olhar para os outros e olhar para si; Se consertar ao invés de consertar os outros; Fazer ao invés de falar; Ser ao invés de querer; Tentar ao invés de desacreditar.

Decepções sempre haveriam, fracassos também. E desilusões e lágrimas derramadas desmerecidamente e ataques de fúria. Isso fazia parte de viver, afinal de contas, não é mesmo?

Porém, naquela hora, ainda que seus pensamentos tenham voado para tão longe, levando-a para toda aquela análise interior, só queria continuar experimentando o sentimento novo – ainda tímido – que estava crescendo não tão lentamente assim em seu peito.

A melodia que a atingia através dos fones de ouvido dizia nada além de tudo. A leveza da voz simbolizada tanto a calma quanto o encantamento, o violão ali retratava os batimentos cardíacos, o sussurro demonstrava a incerteza, o receio. O solo da guitarra era, sem dúvida alguma, a mistura entre a excitação pelo sentimento novo e a constante saudade nostálgica do responsável pelo sentimento antigo. E a letra? Bem, a letra traduzia em palavras simples o causador de todo o dilúvio imaginário.

“I fall for you, I fall for you tonight. And I hope you feel the same*”.

(Eu me apaixonei por você. Eu me apaixonei por você essa noite. E eu espero que você esteja sentindo o mesmo)

Sempre o pensamento que não seguia o curso natural do “Começo – meio – conclusão”. Sempre mais parecido com uma árvore – cheia de galhos e ramificações, uma puxada pela outra. Lhe agrava e lhe incomod--, oh, espere, vejam vocês... Mais uma para a lista das contradições.”

*Letra da música “I Fall For You”, de Sébastien Lefebvre.

I guess I’m back…

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