domingo, 26 de setembro de 2010

Aquela Velha História

“Não sabia o que dizer. Debruçada sobre a escrivaninha antiga daquele ambiente familiar, analisava a folha em branco no editor de texto, com aquele “tracinho que pisca sem parar, me deixando ainda mais impaciente” – como costumava dizer. Não sabia escrever à mão, não adiantava. Tentara, de fato, o caderno aberto ao seu lado, com mais riscos do que palavras legíveis, provava isso.

Queria contar, registrar, colocar tudo para fora, para ler e conseguir enxergar tudo por outra perspectiva. Era por isso que gostava tanto de escrever. Entendia, na verdade, como fator fundamental para o entendimento de seus próprios pensamentos e sensações. Para aquelas novas sensações, céus, adiou por tantos dias…

Não por medo de se chocar com a realidade ou por vergonha, apenas por… Nem saber por onde começar. Ok, sendo sincera, o medo podia também ser considerado um dos motivos. Escrever tornaria tudo ainda mais real, mais de verdade. E o medo era justamente… Perceber que aquilo era de fato tão bom quanto parecia ser em seus pensamentos. É assustador, afirmava em voz alta, olhando para a parede atrás da tela.

Era aquele turbilhão de sensações novamente. Aliás, a palavra “novamente” não podia de jeito algum estar presente naquela descrição. Era novo e muito diferente. Parecia certo, daquela vez. Não lhe ocorreu, em momento algum, a costumeira indagação “Tem certeza? É isso mesmo que você quer pra você agora?”. Naquele caso, não houve tempo para indagar. Era certo demais. Era bom demais.

Give me reason,

but don’t give me choise,

‘Cause I’ll just make

The same mistake again*

Foi o que digitou finalmente, seguindo as palavras cantadas pela voz doce do artista que tocava em suas caixas de som. Sorriu. Talvez a sua interpretação daquele verso fosse a mais divergente possível.

O mesmo erro novamente. Era assim que costumava tratar o assunto. O mesmo erro, pela terceira vez. Sorriu ainda mais. Parecia um erro tão adequado… Tão… Ideal. Ainda que fosse muito cedo para qualquer conclusão, poucas vezes esteve tão decidida quanto a alguma coisa. Tão certa, tão motivada.

Era aquilo, então. Não precisava gastar mais de seu tempo “colocando tudo em perspectiva”. A perspectiva estava ali, na sua frente. Não havia mais o que pensar ou o que pesar. Não tem mais volta, de qualquer modo, falou à parede mais uma vez.

Retirou o aparelho da tomada, reduzindo assim um pouco do brilho da tela. Estou com pressa, mas também não preciso destruir o planeta ainda mais, pensou. Levantou-se e saiu pela porta.

Era hora de viver, não de pensar mais. Era hora de ver, não de analisar. De confirmar a sua certeza, não de ficar buscando indagações.

O que estaria deixando para trás?

Apenas uma tela iluminada, com quatro versos copiados e um ponteiro insistente, que já não lhe causava mais tanta impaciência.”

*Trecho da música “Same Mistake”, do James Blunt.

 

Aspirante Ouve: James Blunt, o álbum “All The Lost Souls”, versão Deluxe. Mais um daqueles deliciosos de se ouvir. Mais uma vez me inspirando a relatar meia dúzia de fatos em meia dúzia de linhas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário