sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Você

 

Você, como todo ser humano, mudou bastante conforme o passar dos anos. Houve um tempo onde você só se preocupava se teria sensibilidade o suficiente para reconhecer o seu príncipe encantado quando ele aparecesse na sua frente. Também passava bastante tempo pensando no nome das suas duas filhas e deliberando se era melhor que o terceiro fosse um menino ou mais uma menina. Califórnia ou Hawaii? Trabalhar fora ou cuidar da casa?

Até que um dia você começou a se questionar se essa vida de esposa e filhos funcionaria mesmo pra você.

Os filhos foram cortados da lista e o príncipe encantado também. A partir dali você só se sentia atraída por aqueles tipos completamente opostos às características que compõem os príncipes encantados. Cavalos brancos nunca foram muito a sua praia, de qualquer modo, então estava tudo bem.

Depois de mais alguns passos, você se viu preferindo uma vida por si só.

Relacionamentos casuais, vida num loft, trabalhar fora, cuidar do próprio nariz. Sem satisfações a ninguém, sem pedir ajuda ou precisar aturar um diálogo forçado ao fim de um dia desgastante de trabalho (a essa altura, você já sabia o que seria quando crescesse. Mas isso você sempre soube).

Até que você se apaixonou pela primeira vez após o início dessa nova fase.

Você já havia se apaixonado antes. Mas era diferente. Eram paixões que te faziam planejar, supor, produzir imagens mentais sobre o seu futuro com o dono do seu coração.

Dessa vez não.
Dessa vez a ideia te assustava.
Ou, pra ser bem franca, essa ideia te apavorava mais do que você conseguia suportar.

Você fugiu, se escondeu, se reprimiu. Mas você era só uma adolescente, ora. É claro que você não conseguiria simplesmente ignorar tudo aquilo que estava acontecendo. Os planos voltaram, o desejo de se casar, de dividir, de ter um cobertor de orelhas e duas escovas de dentes em cima da pia. Toda essa coisa de casal.

Até que não deu certo. Suas idealizações de vida sozinha eram atraentes demais, você não conseguia se ver jogando tudo aquilo no lixo!

Paixonites chegaram e foram embora, assim como amigos, dinheiro e lembranças. Tudo parecia cada vez mais acelerado, intenso e confuso e complicado e diferente. As coisas passavam e você se sentia pronta pra deixá-las irem embora quando fosse o tempo delas. Isso te assustava.

E então você percebeu que isso era crescer.
Você se viu crescendo. Se viu crescida.

Muitos sonhos foram substituídos por planos menores e mais racionais. Alguns te criticam por isso até hoje, mas você acredita que esse é o jeito que funciona pra você, então está tudo bem.

Você se viu mudando de garota loirinha vestindo rosa para garota de cabelo raspado e orelhas furadas (bastante furadas, pra dizer bem a verdade). Você se encontrou em vertentes muito desaprovadas para o senso comum. Mas a sensação de se encontrar é tão, tão boa que, honestamente, você deixou de se importar com o senso comum (até porque, seus estudos te fizeram aprender os malefícios desse tal de senso comum).

Você se viu diferente.
Você se viu, finalmente, você.

E acabou percebendo que estava tudo bem em se apaixonar, usar rosa de vez em quando ou abrir mão de algumas coisas em benefício da sua convivência com as pessoas de quem você gosta (e até das que você não gosta. Conviver é importante, é inevitável, então não há motivo para evitar que a convivência seja a mais saudável possível).

Você notou que ser você mesma é importante.
Que pensar é importante.
Que estudar é importante.
Que analisar é importante.
Que se relacionar é importante.
Que sorrir e que chorar também.

Mas você ainda não aprendeu que falar faz parte do processo de se fazer entender. Se esconder atrás do velho "tenho duas orelhas e uma boca para ouvir mais e falar menos" é fácil. Mas você precisa entender que tem uma boca, não nenhuma.

Se fazer entender é importante.
Se expressar também.

E você precisa entender que usar a primeira pessoa ao invés da segunda ou da terceira não é tão difícil assim.
Não dói.

Mas não se preocupe.
Você demorou cerca de dezoito anos para tirar o canudo do copo de leite e certamente demorará mais do que vinte e um para abandonar o cachorro de pelúcia na hora de dormir.

Tudo tem o seu tempo.

Está tudo bem.

 

**Richard Ashcroft, “Break the Night with Colour”. Sem motivo algum, porque assim também é legal.

3 comentários:

  1. KCT!!!! Estou ainda mais inflado... Parabéns Querida. Não temos um pentelhésimo menos nem mais do que merecemos. O grande barato da Vida? Se descobrir, mas é para quem se permite.
    Já começo a esperar sua próxima criação.
    Obrigado.

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  2. Esse texto me fez ficar pensando muito, e por um tempinho considerável até. Simplesmente porque ele me faz sentir que eu não sei quem eu sou, ao mesmo tempo que eu tenho plena certeza disso.
    Eu sei que eu quero ter um bom emprego fazendo o que eu gosto, conseguir juntar dinheiro para poder viajar para todos os lugares que eu tenho vontade de conhecer, minha casa com o meu gato e o meu cachorro, a empregada vindo de segunda, quarta e sexta para deixar tudo no lugar, já que eu sou desorganizada demais para o meu próprio gosto.
    Porém, ao mesmo tempo, eu não consigo deixar de sonhar que eu quero aquela pessoa que eu gosto por perto. Definitivamente sem filhos, talvez até sem casar, mas eu quero o sentimento, a cumplicidade, o entender com o olhar, só que não me vejo muito pronta para lidar com as complicações de uma convivência diária ~talvez com cada um no seu canto, sem cobranças e obrigações?~ não sei.
    Ok, parei de ficar filosofando sobre meus planos e minha vida, mas é meio inevitável com esse texto. Me vejo presa entre a garota que precisa desesperadamente que sempre tenha alguém por perto para segurar sua mão e dizer que está tudo bem, que não está fazendo nada de errado ao mesmo tempo que sou a mulher que tem quase pavor de vínculos, que não quer deixar uma pessoa entrar e acabar correndo o risco de vê-la sair sem poder fazer nada.
    Talvez não seja de todo ruim, certo? Talvez eu seja assim, essas coisas confusas e contraditórias me fazendo ser única como você? Aquela pessoa que dorme com ursinhos e sente falta do calor de alguém do seu lado? Eu não sei, de verdade. Mas como você disse, tudo tem seu tempo e talvez ainda não esteja na minha hora de achar a resposta de todas essas perguntas.
    (e desculpa, isso foi mais uma reflexão minha que um comentário propriamente dito, por isso que eu não comentava antes, eu me perco no que você disse e essas coisas ficam saindo sem parar).

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  3. Vou te contar uma coisa: quem disse que é preciso abandonar o bichinho de pelúcia (e que isso significa crescer), na certa nunca teve um.

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